A Unidade de Terapia Intensiva é conhecida do grande público: a chamada UTI assusta nos filmes e na vida real, e preocupa familiares e amigos do paciente – afinal, é uma área que cuida de pessoas com doenças realmente sérias, e que dependem de muitos fatores fisiológicos e tecnológicos para sua recuperação.
Atualmente, a especialidade de Medicina Intensiva está bem entrelaçada ao desenvolvimento da tecnologia, o que exige preparo e aquisição de muita informação constantemente. Diante da emergência do doente, dados têm que ser processados rapidamente para se decidir por qualquer intervenção.
De seus profissionais, exigem-se rapidez, assertividade, conhecimento de diversas especialidades médicas e familiaridade com as tecnologias empregadas nos vários sistemas e equipamentos – é uma área ampla e que pede por uma formação impecável.
Como surgiu a Terapia Intensiva?
A Medicina Intensiva é uma especialidade médica recente; a organização de área para concentrar doentes críticos e graves se desenvolveu ao final dos anos de 1950 com a crise da poliomielite ocorrida em Copenhagen, Dinamarca, e a consequente necessidade de se obter recursos para cuidar desses pacientes. Um dos comprometimentos da doença era a dificuldade de respirar, e que levava à mortalidade em 90% dos casos.
Para o tratamento, utilizava-se os chamados “pulmões de aço”: concentravam-se os pacientes, os recursos de enfermagem e médicos em um salão único. Essa concentração diminuía os gastos e permitia melhor eficácia do tratamento, e foi então que começaram a surgir as unidades de terapia intensiva.
“Com a especialização, veio também o desenvolvimento tecnológico, que dá suporte para que o profissional obtenha muitas informações das condições fisiológicas do indivíduo; hoje, o processamento desses dados começa a ganhar o apoio da Inteligência Artificial”, explica o Prof. Carlos Carvalho, Professor Titular de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor).
Trata-se, portanto, de especialização recente, multidisciplinar, que depende bastante do contato com a indústria que desenvolve equipamentos como monitores, respiradores artificiais ou técnicas de diálise, entre outros. Há casos em que é preciso que os órgãos vitais mantenham-se funcionando fora do organismo, então são desenvolvidas técnicas que substituem temporariamente o funcionamento desses órgãos.
Dessa forma, a UTI propiciou procedimentos mais agressivos de maior complexidade, acompanhou o desenvolvimento da Medicina, dando suporte para que esses fatos se tornassem possíveis, e estimulando a indústria a produzir equipamentos que substituíssem esses órgãos vitais. “Paciente que hoje passa por cirurgias enormes é mantido ali até que ele literalmente se refaça de tudo pelo que passou. Isso se tornou possível graças à terapia intensiva”, diz o Professor.
Hoje se conta, adicionalmente, com o envelhecimento da população: “Temos pessoas mais vulneráveis vivendo por mais tempo, e é fato que os órgãos vão se desgastando. Há tratamentos que conseguem prolongar a vida de pacientes com tumores, por exemplo, como quimioterápicos e imunossupressores – como esse indivíduo tem resistência mais baixa, ele, muitas vezes, necessita ser então encaminhado para a terapia intensiva”, completa.
Como se tornar um Intensivista
Por todo esse cenário, a formação do intensivista é cada vez mais ampla e complexa – ele tem que entender de neurologia, funcionamento da circulação do sangue, respiração, diagnóstico de infecções e melhores tratamentos para elas, entre outros tópicos. O profissional deve ter formação muito vasta e conhecimento de condições mais graves das disfunções, saber como fazer um diagnóstico e uma intervenção rápida.
“É uma atividade multiprofissional – nos anos de 1950, foi reconhecida a importância da enfermagem nesse ambiente. Depois, vieram a fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia – que atende não apenas o paciente, mas seus familiares – e até mesmo nutrição, pois, depois da fase crítica, é preciso fazer uma reabilitação desse paciente”, afirma o Prof. Carvalho.
Há, também, a questão administrativa: a terapia intensiva exige um processo de gestão do qual o profissional tem que ter o mínimo de conhecimento. O gestor da UTI deve ser treinado também em gestão de pessoas.
Nascida como subespecialidade, a Medicina Intensiva ganhou em 1980 uma associação – a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) – e, em 1992, foi reconhecida como especialidade de fato pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
Portanto, no passado, era preciso que o médico buscasse primeiro uma especialidade, como cardiologia, nefrologia, anestesiologia ou pneumologia, para depois fazer a terapia intensiva como uma especialidade adicional. “Hoje, já é possível cursar dois anos da primeira opção escolhida e mais dois da intensiva, e está em discussão o acesso direto, ou os quatro anos na intensiva”, explica o Prof. Carvalho.
Hoje, associada à formação médica, há a exigência de trabalhar e lidar com alta tecnologia na rotina intensivista: “Quando surgiu o surto de pólio, não era possível medir rapidamente a oxigenação do sangue ou a taxa de gás carbônico dos pacientes; os resultados levavam horas para sair. Uma empresa local então especializada em produzir rádios, a Radiometer, conseguiu desenvolver um equipamento para medir os gases automaticamente; sua evolução na área foi tamanha que, hoje, ela é uma multinacional dinamarquesa da área médica, que desenvolve, fabrica e comercializa soluções para amostragem de sangue, análise de gases no sangue, monitoramento transcutâneo, testes de imunoensaio e sistemas de gerenciamento de TI relacionados. Ou seja, o profissional tem que saber lidar com tudo isso e mais um pouco”, conta.
Terapia Intensiva no HCFMUSP
O complexo do Hospital das Clínicas conta com 500 leitos de terapia intensiva, somando pediatria e adultos, sendo um dos maiores parques de atendimento de doentes críticos, e os custos são altos. “Administrar isso tudo é critico, e você tem que atuar em uma zona de mortalidade ainda muito elevada. Mais uma amostra, portanto, da necessidade de boa administração e boa formação”, afirma o Prof. Carvalho.
Atualmente, a terapia intensiva está totalmente integrada em todos os níveis de ensino. Há alunos de graduação que fazem estágios na área, ou até mesmo residentes de infectologia, neurologia, cardiologia, entre outros, que passam pela área para completarem a sua formação.
E o HC contribui para a formação destes profissionais também de outras formas, além da residência médica – ele é, também, um centro formador. No programa de especialização, através do HCX Fmusp, os profissionais podem completar mais dois anos de estudos. O Curso de UTI é a parte teórica que dá suporte para a parte prática desse centro formador.
“Para cobrir essa formação, preparamos inicialmente uma rodada com 130 aulas, o que mostra a extensão da Medicina Intensiva, mas seria muito difícil cumprir um curso desse tamanho, então reduzimos para cerca de 80. Ele cobre desde a gestão e administração da área até a parte mais sofisticada, passando por todas as áreas da terapia intensiva”, diz o Professor. “É uma área complexa, exigente, difícil, mas longe do impossível – e que tem constante demanda por profissionais; uma linda e corajosa opção de carreira”, finaliza.
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